domingo, 19 de junho de 2016

A chancela da compaixão

O artigo "O perigo facista", publicado em Congresso em Foco (UOL), por Ricardo de João Braga, doutor em Ciência Política, foi apresentado nestes termos:
Vista aérea da Universidade de Brasília, 
invadida por manifestantes de extrema-direita,
portando bombas caseiras, arma de choque e cassetetes.

A invasão da UnB por covardes, armados com bomba caseira, é fato gravíssimo, que merece a repulsa do governo e da sociedade. Trata-se de “agressão frontal” às bases da ordem democrática prescrita pela Constituição, destaca cientista político. Aqui temos um importante trecho do artigo, em que seu autor, Ricardo de João Braga, faz um alerta:

"Diante do gigantesco atentado à civilidade, é preciso conclamar as pessoas sensatas a permanecerem alertas contra esse perigo crescente, para o quê é preciso entender a ameaça. A invasão da UnB e a agressão gratuita a alunos não são vandalismo e transgressões menores, são sim um ataque às estruturas da sociedade brasileira, uma agressão frontal a valores e instituições que fundamentam a vida em sociedade como prescreve a Constituição Federal de 1988 e como a grande maioria da população vive e pretende viver".

A leitura do artigo completo pode ser viabilizada pelo acesso a este link:
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/o-perigo-fascista/

Ricardo de João Braga atualiza o conceito de fascismo e expõe com clareza o risco que estamos correndo no Brasil. Essa leitura precisa que faz do fato ocorrido na UnB em relação ao nosso contexto político, partindo de um cientista, é qualificada e digna de respeito, ao menos no aspecto da necessária reflexão, mesmo que seja para depois, discordar de suas observações. Todavia, se tal leitura partir de uma percepção de senso comum, emitida por uma pessoa também comum, apesar de apresentar igual teor e de antecipar-se ao contexto político nacional em curso, poderá não ser digna do mesmo respeito ou consideração.
Tal desrespeito ou mesmo, desconsideração, compreendemos, é opção que qualquer pessoa pode manifestar. Mas, também, ressaltamos, por outro lado, que a barbárie se instala quando a impiedade ordena as posturas e determina as atitudes. Então, o cidadão que identifica a realidade política é deixado à mercê do fascismo e da violência que caracteriza esse radicalismo político. É o indivíduo, de certa maneira, abandonado por aqueles que se omitem quando poderiam e deveriam intervir para evitar o mal. Os indiferentes e os omissos assim se posicionam por qual razão? Depois que a página histórica da desgraça real estiver escrita, será fácil encontrar as razões.
Entretanto, se possível for evitar o mal, antes que aconteça, cumpre-nos fazê-lo, desde que tenhamos boa vontade e lucidez para identificá-lo em seu nascedouro. E haverá, sim, quem simplesmente não queira ou mesmo não consiga realizar essa leitura da realidade política. Isso não o isentará, no entanto, da responsabilidade pelo suceder dos fatos. O contexto histórico permeia nossas vidas e está em nossas mãos o destino de nossa nação, destino que não se constrói sem a participação do povo. Seja qual for a decisão da população, escolheremos e sofreremos, sempre, as consequências dessa escolha.
Alinhar-se aos que sofrem, portanto, exige sacrifício, coragem. A face cruel do fascismo não se revela facilmente para aqueles que, de alguma forma, já estão sintonizados com essa maneira de entender o mundo e de estabelecer relações de poder, fazendo valer a sua vontade política e sobrepujando à necessidade da maioria, os seus próprios  interesses.
A nossa grande esperança, contudo, é a de que os que detêm as necessárias condições para intervir e apoiar a luta anti-fascista, o façam, percebendo a tempo, as sutis artimanhas da extrema-direita e da direita. A esquerda antecede o comunismo e defende o trabalhador, as classes populares. Os termos "direita" e "esquerda" têm sua origem na Revolução Francesa. O reducionismo, nessa questão, convém tanto à extrema-direita quanto à direita: associam "comunismo e esquerda" e, em uma manobra espetacular dos americanos, vão mais longe, associam "esquerda, terrorismo e Islã".
Esse processo atinge em cheio quem não recebe informações elucidativas, fundamentadas, fora do circuito da mídia golpista. A ausência de informação sobre a realidade dos fatos e de reflexões aprofundadas coloca os indivíduos à mercê do movimento fascista. Aderem sem saber a que estão aderindo, têm sido uma ocorrência natural a descoberta de amigos e parentes fascistas em nossos círculos de relações sociais.
Propor elementos que cooperem na difusão de informações e de textos elucidativos, portanto, é uma obrigação nossa. Ler e meditar constantemente, mais ainda. Ouvir, também, atentamente as pessoas, dialogar com elas, ponderar seus argumentos e contrapor outros. Sobretudo, aplicar a tudo a chancela da compaixão. Essa, talvez, só seja reconhecida como válida e indispensável por quem não obteve compaixão. Naturalmente, esse indivíduo prosseguirá na luta, tentando, sem parar, advogar essa causa.
Se a maioria do povo brasileiro é pobre e precisa da assistência do Estado, se a Constituição da República Federativa do Brasil deve ser respeitada, se queremos viver em um país com um regime democrático, então, precisamos escolher coerentemente aqueles que nos representam e defendermos aqueles que optam pelo que é justo para uma sociedade que explicita em sua Constituição (Art. 3) exatamente isso: a aspiração de ser justa, livre e solidária.
A coragem de ser e de agir, visando o bem comum, não é o signo dos que preferem delegar responsabilidades, acusar sem provas, argumentar sem fundamentos teóricos coerentes e dignos, atuar movidos pelo calor das paixões, desrespeitando o semelhante. Os contextos históricos são sempre desafiadores, pedem posicionamentos altruístas e convocam os indivíduos a deixarem de lado seu egoísmo, mergulhando no coletivo, inserindo-se com responsabilidade nesse movimento coletivo que produz a transformação sócio-humanitária da realidade.
Não mudamos o mundo isolados em espaços religiosos, orando. Mudamos mediante o nosso envolvimento sacrificial, participativo, responsável. A nossa covardia, muitas vezes, transfere para o "Deus" hipotético de nossas fantasias espirituais, a responsabilidade de socorrer nossos semelhantes nos embates das lutas terrenas. Ora, se estão tentando implantar uma guerra civil, se estão buscando consolidar a violação e a destruição de nosso tecido social, não vamos esperar assentados nos sofás de nossas residências que o ser supremo, no qual acreditamos, cumpra o nosso dever. É Ele que deve estar esperando esse comportamento de nós. Nunca agressivo, jamais violento, mas, definido e firme, de forma sensata, em favor do que é justo, social e humanamente. Se nossos algozes são movidos por ódio e ignorância, sejamos nós movidos pela lucidez e pela compaixão. É a chancela da compaixão que nos aproxima, une e fortalece. Pagar o mal com o bem, e persistir, apesar de todas as dificuldades, agindo dessa forma compassiva é indispensável para não nos convertermos também, em outro momento histórico, em futuros algozes.
O último parágrafo, no entanto, não se dirige aos que não têm religião, naturalmente. Significativa parte da população que exerce sua cidadania é formada por indivíduos que não norteiam suas ações em função de princípios desta ou daquela modalidade religiosa. Assumem suas responsabilidades como cidadãos críticos e participativos, movidos por convicções que se fundam simplesmente na consciência que têm da dignidade humana e do dever que lhes compete e reconhecem, de lutar pelos semelhantes em sofrimento.

Rita De Blasiis
Uberaba, 19 de junho de 2016.

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