Ave alcíone Desenho gráfico, Rita De Blasiis |
No dia 06 de junho de 2015, escrevi este poema em prosa:
então a criatura se levanta e te diz quem você deve ser o que deve fazer
o que precisa querer e o que você está fazendo aqui neste mundo e você
surpreendido por esse ser que não te é nem te escuta nem te sabe nem te ama,
ouve ouve ouve houve houve um tempo dois tempos tanto tempo que a palavra dor
se abre em flor e o que resta é o riso do amor porque você não se levanta e não
diz:
pinta a paisagem na alma apenas e alguns amigos e amigas no silencio
próprio das aves
fitam o infinito da alma na paisagem e abrem as próprias asas
rumo aos longes todos da vida,
serenos do horizonte
atrás do horizonte
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Hoje, dia 06 de junho de 2016, após o Golpe,
compreendo do que estava falando...
O primeiro ataque frontal foi dirigido à Cultura...
Uma obviedade, a arma mais perigosa: aquela que elucida, coloca a
consciência das pessoas em outro patamar, abre perspectivas novas, lança seus
desafios, questiona o que é obsoleto...
O artista, para ser bom, precisa fazer uma leitura delicada, incisiva,
arguta mesmo, do seu tempo. Para dialogar com ele, propor algo, ter realmente
uma oferta generosa e significativa a compartilhar com os seus parceiros de
jornada existencial...
Estamos vivos e queremos vida em plenitude. A existência programada por
outrem não nos interessa: nós decidimos para onde vamos, o que desejamos fazer.
Como seremos o que aspiramos ser...
No mundo da Arte, no universo da Cultura, liberdade é essencial porque
criação é um exercício do livre pensar sobre o tempo/espaço aberto do mundo.
Surrupiar a autonomia do artista, inviabilizar a vida cultural de um
povo é um ato de violência certeiro, ciente do seu objetivo mesquinho.
Não nos esqueceremos disso, antes, nos reuniremos, fortes e serenos sob
a bandeira da liberdade que temos de optar pela resistência.
O artista, seja ele um ator ou um literato, uma bailarina ou uma artista plástico, antecipa o futuro, vislumbra possibilidades, lança luz sobre a
sombra, encontra caminhos onde não se vê passagem...
Precisamos de Arte para nutrir o nosso espírito, necessitamos desse
alimento que aprimora nosso sentir, que nos confere alegria de viver, prazer de elaborar e de fruir a produção artística...
Por outro lado, o artista precisa externar sua riqueza interior, dividir
com o público o que gesta em seu espírito, compartilhar o seu trabalho... Viver
dignamente do que pode e deve fazer...
A negação da função, da relevância desse processo é absurda em muitos
aspectos e sua desumanidade pode ser sintetizada mediante a citação de uma
realidade inegável: é entre humanos que o homem constrói a própria humanidade.
Onde não há Arte, nem Cultura, não se respeita a dignidade do ser
humano. Grassa a violência.
Se a matéria prima da Educação é a Cultura, como afirma o antropólogo
Tião Rocha, o segundo passo, o alvo imediato a ser atingido por esse governo
temerário é a Educação.
Surrupiar dos educadores a liberdade de pensar, de questionar, de
produzir conhecimento, impedir a leitura do mundo, da realidade é essa a
intenção? Com qual finalidade?
Não somos massa de manobra, a reação dos educadores haverá de se
integrar ao contexto de resistência do povo brasileiro.
Cada professor tem um compromisso consigo mesmo, com cada aluno e sua
família, com a sua comunidade escolar, com o futuro do Brasil. Se o artista
desempenha um papel de educador social que convida à reflexão o seu público,
mediante o seu trabalho, o professor também atua nesse sentido, exerce o seu
ofício como uma arte, por meio da qual promove o desenvolvimento do seu
público-alvo também.
O espaço e o tempo onde se exercem essas artes são distintos, mas, são
momentos e lugares, sim, onde as pessoas aprendem a viver bem e a conviver
melhor. Educação e Cultura se complementam, uma não pode prescindir da outra.
Nesse momento histórico tenebroso que vivemos, de absurdidades e de incertezas,
a união dessas forças é urgente e necessária. Para que se faça luz sobre o
caminho a seguir, a partir da decisão coletiva de lutar pelos nossos direitos
humanos e sociais. Os Direitos inalienáveis de todos e todas nós. Artistas e
público. Educadores e educandos. Brasileiros e brasileiras em nosso país, em
uma sociedade livre, justa e solidária.
Rita De Blasiis
Uberaba, 02 de junho de
2016.
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